Lição 2

Regulamento MiCA – o que é, quais são seus objetivos e como está estruturado

Este módulo oferece uma análise aprofundada do Regulamento dos Mercados de Criptoativos (MiCA), abordando suas origens e objetivos de política. Detalha a estrutura do regulamento, com destaque para as principais disposições aplicáveis aos tokens referenciados a ativos (ARTs), tokens de moeda eletrônica (EMTs) e prestadores de serviços de criptoativos (CASPs). O módulo também esclarece o cronograma escalonado de implementação e as atribuições dos órgãos reguladores da União Europeia.

Introdução ao MiCA

O Markets in Crypto-Assets Regulation (MiCA), oficialmente Regulamento (UE) 2023/1114, é o primeiro marco legal abrangente da União Europeia voltado aos criptoativos não contemplados na legislação financeira existente. O regulamento foi concebido como parte do Pacote de Finanças Digitais da UE e aprovado em maio de 2023, após anos de consultas, revisões e negociações entre as instituições europeias e os Estados-membros. O principal objetivo do MiCA é conferir segurança jurídica à emissão, negociação e custódia de criptoativos, ao mesmo tempo em que reforça a proteção dos investidores, preserva a integridade dos mercados e garante a estabilidade financeira.

Antes do MiCA, o mercado europeu de criptoativos era altamente fragmentado, com cada país aplicando normas próprias, geralmente baseadas em interpretações parciais da legislação financeira. Isso resultava em arbitragem regulatória, falta de uniformidade na proteção do consumidor e dificuldades para provedores de serviço atuarem transnacionalmente. A implementação do MiCA representa uma mudança estrutural, migrando da supervisão nacional para um regime regulatório harmonizado em toda a União Europeia.

Histórico e Desenvolvimento

O MiCA teve início em 2019, quando a Comissão Europeia iniciou consultas públicas sobre a regulação de criptoativos e da tecnologia de registro distribuído (DLT). Os resultados indicaram que diversos ativos digitais estavam fora do alcance das normas financeiras predominantes, como a MiFID II (Diretiva de Mercados de Instrumentos Financeiros), EMD2 (Diretiva de Dinheiro Eletrônico) e PSD2 (Diretiva de Serviços de Pagamento). A ausência de um quadro uniforme gerava insegurança operacional para as empresas e ampliava a exposição dos investidores a riscos sem alternativas de reparação.

A primeira proposta do regulamento foi apresentada pela Comissão Europeia em setembro de 2020 e passou pelo processo legislativo da União envolvendo o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e diferentes comitês. As negociações trataram de temas sensíveis como exigências ambientais para ativos baseados em proof-of-work, classificação de stablecoins e regras transitórias para prestadores já em operação. Em abril de 2023, o texto final foi aprovado e entrou em vigor ainda naquele ano, com datas de aplicação escalonadas para facilitar a adaptação do setor e das autoridades reguladoras.

Objetivos e Diretrizes de Política

O MiCA foi elaborado com múltiplos objetivos estratégicos. O primeiro deles é a proteção de consumidores e investidores, garantindo que pessoas físicas e jurídicas que interagem com criptoativos estejam resguardadas por salvaguardas equivalentes às dos mercados financeiros tradicionais. Isso inclui exigências para divulgação clara dos riscos, governança transparente e arranjos seguros de custódia.

O segundo objetivo é a estabilidade financeira. Stablecoins, em especial, cresceram e tornaram-se um segmento de grande relevância sistêmica no universo cripto. Os formuladores de políticas entenderam que grandes colapsos ou perda abrupta de confiança poderiam gerar impactos no sistema financeiro convencional—principalmente se emissores detiverem volumes elevados de títulos públicos de curto prazo.

Outra meta é a integridade dos mercados. O MiCA estabelece padrões para práticas justas de negociação, combate a conflitos de interesse e medidas contra abuso de mercado, incluindo operações com informação privilegiada ou manipulação de preços.

Por fim, a regulação visa estimular a inovação sob regras claras e previsíveis. Ao harmonizar a regulação em todos os países da UE, elimina incertezas que afastavam empresas do mercado europeu. O sistema de passaporte regulatório permite que, uma vez autorizada em qualquer Estado-membro, a empresa possa atuar em todo o bloco sem necessidade de licenças adicionais em cada país.

Estrutura do Regulamento

O MiCA se divide em títulos focados em diferentes aspectos do ecossistema de criptoativos. O regulamento categoriza os criptoativos em três grupos principais:

  1. Tokens de Dinheiro Eletrônico (EMTs): Tokens lastreados em uma única moeda oficial, funcionando de maneira similar ao dinheiro eletrônico digital.
  2. Tokens Referenciados a Ativos (ARTs): Tokens vinculados a uma cesta de ativos, incluindo moedas, commodities ou outros criptoativos, com o objetivo de manter estabilidade de valor.
  3. Outros Criptoativos: Tokens digitais que não são EMTs nem ARTs, como utility tokens utilizados para acesso a produtos ou serviços.

Cada categoria possui regras específicas de emissão, autorização, governança e supervisão. Destaca-se que o MiCA não regula tokens não fungíveis (NFTs), exceto quando são emitidos de forma a torná-los fungíveis ou quando usados para fins de investimento semelhantes a ativos regulados.

Cronograma de Aplicação e Disposições Transitórias

A aplicação do MiCA foi realizada em etapas, priorizando setores de maior risco sistêmico. Desde 30 de junho de 2024, o regulamento passou a valer para EMTs e ARTs, refletindo a preocupação imediata da UE com stablecoins e seu impacto sobre a política monetária e sistemas de pagamento. A partir de 30 de dezembro de 2024, as normas passaram a abranger todas as demais categorias de criptoativos e todos os Provedores de Serviços de Criptoativos (CASPs).

As disposições transitórias permitem que prestadores existentes continuem operando por até 18 meses após a entrada em vigor, de acordo com a implementação nacional, enquanto buscam autorização no novo regime. O período de adaptação evita saídas abruptas e dá tempo para alinhamento de governança, conformidade e operações aos padrões do MiCA.

Interação com Outras Leis da União Europeia

O MiCA não atua isoladamente e está em sintonia com outros regulamentos financeiros da UE, evitando sobreposição em áreas específicas. Por exemplo, instrumentos financeiros abrangidos pela MiFID II permanecem fora do escopo do MiCA, seguindo sob regulação da legislação de valores mobiliários. Da mesma forma, instituições de dinheiro eletrônico emissoras de EMTs devem cumprir a Diretiva de Dinheiro Eletrônico.

O regulamento também interage com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), especialmente para o tratamento de dados dos clientes em operações blockchain. As exigências de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (AML) e de Combate ao Financiamento do Terrorismo (CTF) do quadro normativo europeu são incorporadas, obrigando CASPs a atender aos mesmos padrões de KYC/AML aplicados a instituições financeiras convencionais.

Supervisão e Fiscalização

O MiCA institui uma estrutura de supervisão dual. As Autoridades Nacionais Competentes (NCAs) de cada país assumem a responsabilidade pela concessão de autorizações e fiscalização contínua da maioria dos CASPs e emissores. No entanto, a Autoridade Bancária Europeia (EBA) exerce supervisão direta sobre emissores de ARTs e EMTs considerados significativos, segundo critérios como volume de transações, capitalização de mercado e alcance transfronteiriço.

A Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados (ESMA) apoia a supervisão, desenvolvendo padrões técnicos, coordenando ações de fiscalização internacional e mantendo um cadastro público de entidades autorizadas. ESMA e EBA são facultadas a emitir diretrizes e recomendações para harmonizar a fiscalização em todo o bloco.

Requisitos para Emissores e Provedores de Serviço

Emissores de EMTs e ARTs precisam cumprir exigências rigorosas antes de ofertar seus tokens ao público ou solicitar admissão à negociação. Entre elas, está a apresentação de um white paper detalhado, contemplando informações sobre o emissor, projeto, direitos, obrigações e os riscos envolvidos. O documento deve ser aprovado pela autoridade nacional competente para ARTs, e emissores de EMTs precisam também atender à regulação de dinheiro eletrônico.

Os CASPs, incluindo exchanges, custodiante, plataformas de negociação e gestores de portfólio, são obrigados a obter autorização, manter salvaguardas prudenciais, estruturar governança e gestão de riscos e implementar sistemas para prevenir abusos de mercado.

Tokens considerados significativos estão sujeitos a obrigações adicionais, como maiores requisitos de capital, gestão de liquidez, arranjos de resgate e a entrega de relatórios periódicos à EBA.

Impacto no Setor e Primeiras Reações

O setor cripto respondeu ao MiCA com cautela, mas também com sinais de otimismo. Grandes empresas internacionais começaram a adaptar suas operações, escolhendo Estados-membros com processos de licenciamento mais eficientes como base na UE. Emissores de stablecoins como a Circle buscaram autorizações, obtendo licenças EMI para que seus tokens em euro e dólar continuassem circulando no mercado europeu.

Outros emissores optaram por restringir seus serviços na Europa ao invés de cumprir integralmente as exigências do MiCA, resultando na exclusão de determinados tokens não conformes das principais exchanges no final de 2024. O regulamento também estimula o lançamento de stablecoins denominados em euro, tanto por fintechs quanto por bancos tradicionais, que buscam competir em um ambiente regulado.

Desafios e Críticas

A despeito de sua relevância inovadora, o MiCA recebe críticas. Parte dos agentes aponta que os custos de conformidade e exigências de capital podem limitar a atuação de pequenos inovadores. Outros observam que o regulamento ainda trata de maneira restrita as finanças descentralizadas (DeFi), focando majoritariamente em intermediários centralizados.

Permanecem dúvidas quanto à aplicação do MiCA a stablecoins globais emitidas fora da UE, mas acessíveis dentro do bloco. Há preocupações com arbitragem regulatória caso emissores adotem estruturas duplas—uma compatível na UE e outra não regulada em outros mercados—o que pode enfraquecer a eficácia do regulamento na promoção da estabilidade financeira.

Isenção de responsabilidade
* O investimento em criptomoedas envolve grandes riscos. Prossiga com cautela. O curso não se destina a servir de orientação para investimentos.
* O curso foi criado pelo autor que entrou para o Gate Learn. As opiniões compartilhadas pelo autor não representam o Gate Learn.